A importância da Arte na Cultura
:: Tudo é cultura?
Sim e não, dependendo de usarmos o conceito amplo de cultura ou o conceito restrito. Considerando, em primeiro lugar, o conceito amplo ou antropológico, cultura é o modo como indivíduos ou comunidades respondem às suas próprias necessidades e desejos simbólicos. O ser humano, ao contrário dos animais, não vive de acordo com seus instintos, isto é, regido por leis biológicas, invariáveis para toda a espécie, mas a partir da sua capacidade de pensar a realidade que o circunda e de construir significados para a natureza, que vão além daqueles percebidos imediatamente. A essa construção simbólica, que vai guiar toda ação humana, dá-se o nome de cultura.
A cultura, nesse sentido amplo, engloba a língua que falamos, as idéias de um grupo, as crenças, os costumes, os códigos, as instituições, as ferramentas, a arte, a religião, a ciência, enfim, toda as esferas da atividade humana. Mesmo as atividades básicas de qualquer espécie, como a reprodução e a alimentação, são realizadas de acordo com regras, usos e costumes de cada cultura particular. Os rituais de namoro e casamento, os usos referentes à alimentação (o que se come, como se come), o preparo dos alimentos, o tipo de roupa que vestimos, a língua que falamos, as palavras de nosso vocabulário, tudo isso é regulado pela cultura à qual pertencemos. A função da cultura é tornar a vida segura e contínua para a sociedade humana. Ela é o "cimento" que dá unidade a um certo grupo de pessoas que divide os mesmos usos e costumes, os mesmos valores.
Deste ponto de vista, portanto, podemos dizer que tudo o que faz parte do mundo humano é cultura.
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:: Cultura ou culturas?
"Operários" (1933), de Tarsila do Amaral |
Na verdade, basta olhar ao nosso redor para sabermos que há muitas culturas dentro de cada país. No caso do Brasil, temos contribuições culturais da colonização pelos portugueses, dos povos indígenas que habitavam estas terras, dos africanos que foram trazidos como escravos, dos imigrantes italianos, alemães, japoneses, coreanos. O que mantém a unidade, entretanto, entre essas várias culturas é a ocupação de um mesmo território, o uso da mesma língua, o compartilhamento de uma mesma história nacional.
É possível, entretanto, falar também de cultura caipira, cultura rural, cultura sertaneja, cultura urbana, cultura nordestina, cultura paulista, cultura carioca e assim por diante, apenas considerando a diversidade geográfica do país e os diferentes tipos de vida de cada um desses grupos.
É só comparar a cultura do Rio Grande do Sul com a do Amazonas para sabermos que as diferenças também são imensas. Do ponto de vista geográfico, o estado do Rio Grande do Sul é dominado pelos pampas, ou seja, por grandes planícies de vegetação rasteira, adequadas para a criação de gado em grandes fazendas. O clima é subtropical, com quatro estações bem demarcadas. O tipo de ocupação dessas terras dá origem à cultura gaúcha, da qual fazem parte o chimarrão, a bombacha, a chimarrita, o churrasco feito a céu aberto, um vocabulário adequado às necessidades e tradições da região. Essa cultura, ainda hoje, é preservada nos Centros de Tradição Gaúcha, que se encarregam de transmiti-la a crianças e jovens, mantendo-a viva no cotidiano de seu povo.
Na Amazônia, ao contrário, a presença da floresta, dos grandes rios e dos igarapés, das várias tribos indígenas levam ao florescimento de uma outra cultura, mais ligada ao modo de vida ribeirinho, dependente da pesca e da coleta. As histórias, as festas, os mitos fazem menção aos animais da floresta que trazem sorte ou azar, mesclando-os a personagens da corte portuguesa.
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:: Cultura e arte
Reprodução de obras de arte e artesanato brasileiro |
Ao falar de cultura, é possível fazer um corte no sentido amplo do termo e referir-se apenas a alguns aspectos da produção humana, ligados às diferentes práticas artísticas: pintura, dança, música, teatro, literatura, cinema, vídeo, escultura, entre outras. Essa produção cultural, além do caráter simbólico que toda cultura tem, existe independentemente das relações utilitárias e funcionais, ou seja, podemos dizer que elas são inúteis para a nossa vida prática. Um vaso grego, por exemplo, extrapola o valor utilitário de objeto para guardar água, vinho ou óleo. Esse vaso era feito para aparecer, para figurar entre as coisas do mundo, apoderando-se da atenção do espectador, comovendo-o, revelando significados internos que sobrevivem a cada geração. É o reflexo de uma civilização que prezava a simetria, a beleza ideal, o culto aos deuses, a perfeição do fazer artístico e artesanal.
Nesse sentido, então, nem tudo é obra de cultura e é necessário estabelecer distinções entre o que é cultura e o que é entretenimento ou diversão.
"Projectio (Ladder)" (1984), de Regina Silveira Reprodução |
A obra de arte, para ter esse efeito sobre nós, apresenta um modo novo de ver a realidade, porque ela não se refere necessariamente ao que de fato existe. A arte não representa o mundo como ele é, mas como poderia ser. Para isso, ela inova em termos de materiais – por exemplo, uma escultura hoje pode ser construída a partir da luz e não de materiais tradicionais como a madeira, a pedra ou o metal; ou uma obra "desenhada" com cortes sobre a tela, em vez da tinta. Inova em temas, inova em estilos e linguagens, cria novos códigos para ser fiel à sua função de evocar um sentimento de mundo.
"Roda de Bicicleta" (1913), de Marcel Duchamp Reprodução |
Um produto para o entretenimento e diversão, ao contrário, é repetitivo, só confirma o que já sabemos, ajuda-nos a passar o tempo de uma forma agradável, sem que precisemos engajar nossa sensibilidade, nossos sentimentos ou nossa inteligência na sua interpretação. Ele reforça os valores da cultura em sentido amplo: sabemos de antemão que os maus serão punidos, os bons recompensados, a personagem principal não vai morrer no fim da história, e todos os problemas serão resolvidos a contento, a fim de não provocarem angústias e dúvidas a respeito da vida e do mundo. Esses produtos apaziguam, não criam polêmicas, não nos obrigam a mudar de atitude ou modo de ser e pensar. Eles são construídos respeitando e reafirmando os códigos da cultura dentro da qual são criados. Por isso mesmo, têm o poder de entreter e divertir.
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:: Cultura contemporânea
Cena do programa "Show do milhão", entretenimento na TV Foto: Divulgação |
A cultura do livro, da leitura de um texto, que demanda um tempo de trabalho visando à compreensão das idéias do autor, um tempo emocional para entrar no universo aberto pela história e pela temática, vem sendo substituída pela cultura que se poderia chamar de audiovisual: em parte, uma cultura oral, passada de boca em boca, comentada em cada esquina, repetida por muitos; em parte, uma cultura visual, da imagem. Esse modo cultural contemporâneo é sustentado pelo entretenimento, pela publicidade, mas também pela moda, que oferece, com rapidez, aquilo que se poderia desejar sem demandar grandes esforços. Por exemplo, no videoclipe, o que importa é que nos entreguemos ao desfile de imagens e sons, às eventuais emoções que eles possam suscitar, sem precisar procurar um fio narrativo ou tentar estabelecer ligações de sentido entre letra, imagem e som.
A cultura do entretenimento, ao oferecer o mundo como espetáculo constante, a ser consumido e descartado a cada novo momento, propicia a falta de reflexão, a imitação de padrões às vezes inadequados às necessidades sociais do grupo ou pessoais, a confusão entre realidade e ficção. Como exemplo, podemos citar a eleição a cargos públicos de tantos profissionais do entretenimento, sejam eles cantores, atores de cinema, ou apresentadores de programas sensacionalistas de rádio ou de televisão, como o caso de Afanásio Jazadi (eleito deputado estadual por São Paulo em 1986) que se promoveu à custa de exibir o mundo do crime.
Reprodução |
A cultura contemporânea é plural, oferece inúmeras possibilidades de identificações diferentes, simultâneas ou não. Será ela, contudo, mais democrática? Ou será que só cria a ilusão de inclusão, de permissão de múltiplas escolhas? Devemos sempre nos lembrar que, para escolher livremente, precisamos conhecer as alternativas e o que elas significam em termos de direitos, deveres e conseqüências.
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:: Aprendizado cultural
Convivência com a arte Foto: Karina Bacci, MAM/SP |
Estudo da arte Foto: Jonathan Nóbrega |
Do mesmo modo, é preciso aprender a interpretar a arte, seja ela um filme, uma peça teatral, um espetáculo de música, dança, circo, artes visuais, performance, happening uma vez que a arte é um dos modos humanos de atribuir significados ao mundo.
Fazer artístico Foto: Du Ribeiro |
Aprende-se arte, ainda, pelo estudo da história da arte e das linguagens artísticas, bem como pelo estudo da estética, isto é, dos diversos conceitos de valor em arte.
A cultura, portanto, é o que torna a vida humana possível no mundo. Ela é, ao mesmo tempo, um produto já elaborado pelas gerações que nos precederam, e um processo contínuo de adaptação dessa herança recebida a novos modos de vida, novos problemas, novas necessidades. E, nesse processo, a arte, por não ter utilidade prática imediata, é um campo privilegiado de experimentações, de crítica, até mesmo de denúncia de práticas sociais ultrapassadas. Por meio das obras de arte, é possível vislumbrar outros valores importantes para a vida humana.
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